quarta-feira, julho 26, 2006

A Neve e o Silicone *

O Brasil, envolvido pelos conceitos cibernéticos e manufaturados que permeiam as mentes no início do século XXI, vem tornando-se, cada vez mais, o país do “fake”.
Já estamos muito bem posicionados no ranking dos países que mais realizam plásticas no mundo, e, adoramos como ninguém as alternativas modernas para transformar a realidade.
O olho é castanho? Simples, coloca uma lente. O cabelo é crespo? Faz alisamento baratinho, escova tailandesa caríssima, secador, chapinha, ferro de passar...vale tudo! Índias de cabelos loiros, negras ruivas, dezoito ou dezenove cirurgias plásticas para virar Miss Brasil. E vira Miss Brasil, porque o que importa é o que aparece. E viva o silicone!
Mas a da neve na serra gaúcha foi a melhor das últimas notícias do mundinho do simulacro. Querem neve, não tem neve –fabrica alguma, oras...Afinal tem que dar o que as pessoas desejam, não é mesmo? E a neve, branquinha, que sai da maquininha ao invés de cair das nuvens vai cobrindo o chão, e os berros das crianças alucinando com as bolotas geladas na nuca vai tomando conta da poluição sonora do momento.
Já pensou: a loiraartificial de peitoartificial divertindo-se na neveartificial...
Na verdade, o simulacro, o fake, o falso, o que “não é mas parece” conquistou seu espaço definitivo e já não sabemos viver sem esse conceito, aplicado a tantas milhares de situações a nossa volta. E com certeza o “fake” tem um grande charme. Na dose certa, negras ruivas e índias loiras, de cabeça raspada ou azul podem ser imagens deveras instigantes, interessantes e criativas. As possibilidades de expressão pessoal se abrem e as pessoas podem ser mais parecidas com o que gostariam de externar pro mundo. Afinal, se o meu nariz grande ou as minhas orelhas de abano me atrapalharam a vida inteira, porque não me livrar disso com um passe de bisturis e ter a chance de me sentir infinitamente melhor. E porque não, finalmente se atirar um monte de neve fofa, mesmo sem sair do interior do Rio Grande do Sul?
O fundamental nessa brincadeira é a gente não se perder e começar a achar que o falso é mais bonito que o de verdade, ou mais importante. Porque um par de peitos de silicone não é a chave da felicidade eterna (até porque as próteses têm prazo de validade curto) e mudança mesmo, daquelas pra valer - de atitude, de posicionamento, de sentimento - acontece é de dentro pra fora. Essa, não pode ser “fake”.


*esse texto é de julho/2005.

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